Canções e Recomeços
Primeiro Capitulo: Degustação
Capítulo Um
A luz do sol já começava a entrar através dos estreitos vãos
da janela, clareando todo o quarto, quando o som do despertador tocou pela
terceira vez. Presa em seu sono profundo, Stefanie demorou a perceber que já
era hora de acordar. A noite anterior a deixara sem vontade nenhuma de se levantar
cedo, assim como tem sido a maior parte de suas segundas-feiras. Havia
prometido a si mesma que não sairia mais aos domingos, mas como ela poderia deixar
passar a oportunidade de rever os amigos da faculdade? O que era apenas um
almoço na casa de Ana acabou se estendendo para uns drinques no bar ali perto,
e quando notou, estava voltando para casa às 03h00 da manhã de carona com um
belo rapaz que conheceu durante a noite. Sorriu ao lembrar-se das conversas e
dos momentos que tiveram naquelas poucas horas juntos, mas afastou qualquer
pensamento a respeito de um novo encontro. Sabia que havia se deixado levar
novamente, talvez por conta de um ou dois copos de cerveja a mais; o fato é que
agora mal conseguia se lembrar do seu nome.
Esticou o braço para fora da coberta, quase se arrependendo
de fazê-lo no mesmo instante, ao sentir o frio tocar sua pele, e alcançou o
celular. Graças à sua tática infalível de programar o aparelho para despertar
várias vezes antes do seu horário de acordar ela ainda tinha tempo o suficiente
para se arrumar. Notou que havia uma chamada perdida e reconheceu o número no
mesmo instante. Carina, sua chefe, havia ligado bem cedo. Hoje seria um dia
daqueles!
Espreguiçou-se lentamente e permaneceu ali por alguns segundos,
absorvendo a sensação agradável tomar todo seu corpo. Tomou coragem e se
levantou, andou até o guarda-roupas ainda enrolada no cobertor para escolher o
que iria vestir. Refém das suas poucas opções para dias frios como aquele,
optou por um terninho de linho marrom claro e uma blusa de lã branca de manga
longa para colocar por baixo. Antes de pegar as roupas ela olhou mais ao fundo,
para as peças que estavam praticamente esquecidas, jogadas ali sem cuidado
algum, parte das poucas coisas de seu passado que ela se permitiu manter... que
ela se permitiu guardar. Correu os dedos por cada uma das camisetas das bandas
que um dia foram suas favoritas e sorriu com pesar lembrando-se da garota
espontânea, criativa e corajosa que já foi; bem no fundo, ela sabia que sentia
falta daquela garota. Ao lado das camisetas estava uma caixa preta na qual
guardava algumas partituras, palhetas e pequenos objetos. Enfiou a mão lá
dentro sem cuidado algum e sentiu todos os pelos do seu braço se eriçarem ao
tocar o papel fotográfico - a única foto impressa que ela guardava. Aquela foto estava ali, não para ser uma
lembrança agradável, mas como uma forma pessoal de tortura, para que ela se
lembrasse de que as pessoas nem sempre são o que parecem ser. Parou ali mesmo e
fechou a caixa, sem ao menos se permitir olhar para a foto mais uma vez.
Afastou-se, imaginando como sua vida poderia ter sido diferente; refletindo
sobre a pessoa que se tornou e o contraste entre aquelas duas vidas... aquelas
duas pessoas. Ainda não conseguia entender como havia chegado até aqui.
Após um banho rápido e uma maquiagem delicada, a imagem que
a encarava de volta, refletida no espelho, era exatamente o que ela esperava
ver – uma mulher beirando os seus trinta anos, bonita e bem arrumada, com os
cabelos ruivos cuidadosamente escovados, dando-lhe o ar bem-sucedido e forte
que custou a construir para si. A proteção necessária para encarar um novo dia
de trabalho naquela empresa que via mais como um lago cheio de sanguessugas do
que um dos maiores e mais conceituados escritórios de advocacia.
Puxou a bolsa da cadeira pela alça e andou resignada para o
seu destino, mas não sem antes dar uma última espiada para o guarda-roupas e
imaginar o que o seu “eu” de uma outra realidade poderia estar fazendo agora.
Apesar de ter saído de casa com tempo de sobra, Stefanie
começou a se questionar se teria sido mesmo uma boa ideia parar na padaria para
comprar aqueles pãezinhos de queijo que sua chefe adora, numa tentativa de
amansar a fera. A fila no caixa estava
imensa, como se todo mundo da cidade tivesse tido a mesma ideia que ela. Agora,
o trânsito estava insuportavelmente parado. Olhou ao redor e os motoristas
estavam aborrecidos, gesticulando e buzinando sem parar. Aquilo era inútil e só
a irritava ainda mais. Ligou o rádio para tentar abafar os ruídos lá de fora.
Colocou os braços no volante e apoiou a cabeça, permitindo-se fechar os olhos e
se imaginar em outro lugar, numa bela praia talvez, seu escape preferido.
“...Pois é, parece que o bad boy está
numa enrascada dessa vez! A polícia não comenta o caso e a assessoria de Erick
afirma que tudo não passa de um mal-entendido...”
Abriu os olhos no mesmo instante e mudou a estação. Stefanie
sabia o que viria a seguir. Notícias e mais notícias escandalosas sobre Erick. Lembranças
constantes de um passado que insiste em voltar... em não deixá-la esquecer.
Aquela ferida eterna que se abriu em seu peito no dia em que
ele foi embora ainda insistia em doer todas as vezes que escutava seu nome ou
alguma música dele. Respirou fundo e admitiu para si mesma, não era verdade,
ouvi-lo cantar doía mais!
Logo que Erick começou a fazer sucesso, se destacando na
música como uma nova cara para o rock nacional, Stefanie não soube como reagir.
Apenas manteve distância de tudo o que ele fazia. De todos os lugares em que
ele poderia estar ou onde houvesse pessoas que poderiam falar dele. Não era tão
difícil assim, graças ao estilo musical que ele toca, que tende mais para um
estilo alternativo, fugindo um pouco do gosto das massas. Dez anos se passaram
e ela ainda mantem a mesma postura. Um lado seu ficava feliz por ele, pois
sabia que aquilo era tudo o que ele sempre quis. Outro lado o odiava, pois ele
estava vivendo sozinho tudo aquilo que um dia eles prometeram um ao outro que
viveriam juntos.
“...O que você acha, ouvinte? Erick
faria uma coisa dessas? Vamos lançar uma enquete lá no site e a resposta mais
criativa ganhará um par de ingressos para o mega show do cantor em ...”
Olhou para o aparelho a sua frente, definitivamente
irritada, e trocou a estação mais uma vez. Ela não seria obrigada a ouvir sobre
ele! A música que tocou assim que a estação mudou a provocou, insistindo que
não teria escolha. A voz dele preencheu o veículo e ela tremeu, pega
desprevenida mais uma vez.
— Mas que droga!
Desligou o rádio e olhou ao redor, imaginando que aquilo só
podia ser algum tipo de brincadeira. Notou que o trânsito começava a andar e
sentiu um enorme alívio. Ao ver as horas, seu humor melhorou por não estar
atrasada. Seguiu com o rádio desligado e endireitou a postura, preparando-se
para encarar o dia.
— Mas onde é que você se enfiou?!
Carina entrou em sua sala parecendo um furacão, derrubando a
pequena planta do aparador ao lado da porta, passando direto, sem nem ao menos
notar o que havia feito. Cruzou os braços em frente a garota, que continuava
sem entender o motivo de tanto nervosismo. Cumprira seu horário, afinal!
— Bom dia, Carina! Como passou o final de semana? — Tentou
ser amigável, mas pela cara da sua chefe e o silêncio que recebera em resposta
soube que não adiantaria desta vez. — Trouxe aqueles pães de queijo que você
adora! Passei na padaria no caminho do escritório, imaginei que seria uma boa
forma para começar o dia!
Andou até o aparador para pegar o saco de pães e
disfarçadamente deu um jeito de tirar a planta do chão. Pegou um pão de queijo
lá de dentro e estendeu o pacote para a outra.
— Agora não é hora de comer! Tentei te ligar hoje cedo. Sinceramente,
não sei por que lhe demos um celular se você não atende. — Ela falou irritada,
mas pegou o pacote mesmo assim. Continuou, sem dar à Stefanie a oportunidade de
responder. — Não viu a quantidade de repórteres na entrada do prédio?
Ela havia notado, mas infelizmente todo aquele reboliço era
comum naquele escritório. Qual seria o caso escandaloso em que estariam
trabalhando desta vez? Ator acusado de matar a esposa para ficar com a amante;
filho de um grande empresário acusado de envenenar a namorada; até mesmo uma ex-modelo
suspeita de afogar os filhos recém-nascidos numa piscina de hotel e depois
atirar no marido empresário. Todos aqueles casos em que a pessoa está
desesperada demais e disposta a pagar o preço que for por uma boa defesa.
O escritório para o qual Stefanie trabalha, PJS &
Associados, é de fato o melhor lugar para pessoas como aquelas procurarem por
ajuda, especialmente se, de fato, forem inocentes. Eles têm a melhor equipe de
investigação disponível, assim como profissionais altamente qualificados e
muita influência para conseguir encontrar provas e construir defesas. Por mais
que implorasse para receber um daqueles casos, raramente era selecionada para
ajudar nestas equipes que recebiam grande visibilidade na mídia.
— Sim, notei, mas não pode me culpar por não estranhar a
movimentação, já que eu até fiz amizade com a maioria dos repórteres que
normalmente ficam de plantão lá na porta, não é?
— Você tem um caso, e dos grandes! — Carina sentou-se e indicou a cadeira ao
lado para que a garota a acompanhasse. — Sua reunião com o produtor do cantor é
em poucos minutos, não terei muito tempo para colocá-la a par.
Stefanie sorriu com satisfação, finalmente todo o seu
esforço havia sido notado! Recebera um grande caso! Seu olhar acompanhava os
movimentos precisos e organizados de Carina enquanto ela retirava uma série de
fotos da pasta verde, que só naquele momento notou que a chefe segurava. Ela
separou rapidamente as fotografias e estendeu-as em sua direção.
— O crime aconteceu sexta-feira passada. Recebi uma ligação
importante do nosso diretor no sábado, informando que seríamos contratados para
a defesa do principal suspeito de ter cometido o crime, uma pessoa pública.
Imediatamente liguei para meu contato na polícia e implorei para que ele nos
adiantasse alguma coisa, afinal, precisamos estar sempre o mais preparados o
possível para receber nossos clientes. Consegui estas fotos em primeira mão, já
que ainda são de uso interno da polícia... ninguém mais teve acesso. Pelo
menos, por enquanto. Porém, isso é basicamente tudo o que temos.
Stefanie endireitou a postura e respirou fundo ao ver a
primeira foto. O local era escuro, uma jovem praticamente nua, ensanguentada,
com o pescoço virado em um ângulo naturalmente impossível, caída no chão. Sentiu
que o pão de queijo que acabara de comer se revirou no estômago e tentou
disfarçar, trocando de foto. A segunda era ainda pior - um close do rosto da
garota! Todo aquele sangue e o pescoço nitidamente quebrado; o horror estampado
no belo rosto da pobre coitada.
— Santo Deus! — Não era sua intenção falar alguma coisa, mas
as palavras saíram antes que Stefanie pudesse se conter.
— Essa é Victória Moreira. Dezoito anos. Ainda não temos
muita informação a seu respeito. Foi encontrada morta nos bastidores de um show
organizado por Edgar da Ed’arte. Há o forte indicativo de assassinato devido as
marcas em seu corpo e a situação como foi encontrada, com um canivete perfurando
seu pulmão. O evento aconteceu numa cidadezinha do interior, a qual eu sei que
você conhece bem.
Enquanto tentava assimilar as informações, Stefanie olhou a
próxima foto, tirada do topo de uma escada, da qual aparentemente a vítima
havia caído. Era possível ver o corpo estatelado lá embaixo e um objeto
reluzente fincado na lateral do seu peito. Na foto seguinte, com o título
evidência, estava um close do tal objeto. Um canivete suíço, com um símbolo
gravado no cabo. Seu coração congelou por alguns instantes, durante os quais
ela permaneceu muda, analisando o cabo do canivete que não deveria lhe ser tão
familiar, enquanto Carina continuava a lhe passar mais detalhes. Em meio aquele
turbilhão de emoções, Stefanie tentava entender como aquele objeto poderia ter
parado ali.
— Nossa defesa será a favor de Erick Duarte, filho de Edgar
da Ed’arte, famoso cantor de rock and roll, claro, entre as pessoas que
conseguem ouvir aquele tipo de música. Ele é um dos principais suspeitos de ter
matado Victória.
A batida sutil na porta fez com que Stefanie pulasse no
lugar, arrancada do transe no qual se encontrava. Sua cabeça começando a
latejar, processando o que ouviu. Aquilo não podia ser real!
— Desculpem interromper, o senhor Edgar e o senhor Lucas já
chegaram. Estão sendo direcionados para a sala de reuniões. — Roberto colocou a
cabeça para dentro da sala, aguardando por instruções.
— Certo, obrigada por avisar, dê um jeito de enrolar os dois
alguns segundos por lá.
Assim que o rapaz fechou a porta, Stefanie colocou as fotos
sobre a mesa e virou-se de frente para a chefe, tentando, desesperadamente,
apelar para seu bom senso.
— Carina, sei o que está imaginando! Eu conheço o gênero
musical e o público... conheço a cidade e essas pessoas.... mas acredite em
mim, você não poderia escolher pessoa pior para defender... o Erick.
Sentiu aquele nome queimar em sua garganta, lutando para não
sair. Suas mãos tremiam e ela as apoiou na perna, numa tentativa inútil de
frear os movimentos involuntários.
— Sendo sincera, não fazia ideia de que você conhece essas
pessoas, mas é apenas mais um indicativo de que você é a pessoa adequada para o
caso. — Ela a fitou em silêncio por um momento, então cedeu. — Está bem, a
verdade é que não tenho mais ninguém disponível para esse caso e você está
conosco há bastante tempo, já auxiliou em diversas situações semelhantes. Preciso
de você, sei que vai se sair bem!
Sem esperar que a garota falasse, levantou-se e começou a
andar em direção à porta.
— Venha, Stefanie, não é de bom tom deixar os clientes
esperando.
— Não é tão simples assim. Não estou preparada para isso!
— Claro que está! Não trabalharia aqui se não fosse capaz! E
você não estará sozinha, pode consultar um de seus colegas a qualquer momento.
Vou direcionar um detetive especialmente para o caso. Roberto é o melhor da
equipe! — Virou-se em sua direção e seu olhar era frio e distante. — Se quer
minha opinião sobre o pouco que sei até agora, talvez nosso cliente seja mesmo
culpado desta vez. Dei uma busca rápida pela internet e pelo que vi... a fama
que esse homem tem... bom, quem imagina o que alguém como ele poderia ter feito
sob os efeitos de bebias e drogas, não é mesmo?
Stefanie fitou novamente as fotos sobre a mesa e viu uma que
tinha deixado passar. Erick entrando num carro preto, olhando para a câmera.
Várias pessoas ao seu redor. Ele estava sério, o olhar indecifrável. Aquele era
seu olhar típico para momentos em que é colocado sob pressão. Conhecia-o bem!
Sentiu um aperto no peito ao se permitir olhar para ele por tanto tempo
novamente.
— Eu não posso! — Colocou-se de pé e encarou-a de frente. —
Desculpe, Carina, mas precisará colocar outra pessoa neste caso.
Apesar da voz firme, sentia que podia desabar a qualquer
momento.
— Entendo. — A chefe fechou os olhos e respirou fundo. Ao
olhar novamente para ela, Stefanie sentiu um leve arrepio. — Sabe que recusar
um caso é algo inadmissível nesta empresa, não sabe? E, bem... esperamos que
nossos associados partam deste princípio. Seria um desperdício enorme dos
nossos recursos e do nosso tempo em treiná-la, ser obrigada a demiti-la desta
forma.
A chefe andou até ela e tomou sua mão entre as dela. Seus
dedos estavam tão gelados quanto sua voz.
— Sei que vive sozinha e que precisa deste emprego. Todos
nós temos compromissos e boletos para pagar no final do mês, não é mesmo?
Detestaria perder alguém que se esforçou tanto para galgar um lugar por aqui.
Mas sabe que não poderia mantê-la na empresa com uma recusa de um caso, não é?
Stefanie controlou a vontade insuportável de puxar a mão e deixou-se
ficar ali sob o olhar curioso da outra, refletindo friamente por um momento.
Carina estava certa. Ela não podia dar-se ao luxo de ser demitida agora, não por
escolha própria! Ainda se via enrolada com as dívidas estudantis que fizera no
banco para concluir a faculdade, assim que declarou sua independência do
controle abusivo de sua mãe sobre sua vida e suas escolhas. Com a briga e o
distanciamento entre as duas, Stefanie se viu pela primeira vez no mundo real, onde
você precisa conquistar o seu lugar e dar duro pelas coisas; onde os boletos
continuam chegando, queira você ou não, e onde a comida não aparece sozinha,
como num passe de mágica, dentro da geladeira. Perder tudo e voltar para a casa
da mãe estava, decididamente, fora de questão.
Além do mais, aquele não era o emprego dos seus sonhos, mas
não podia reclamar. Muitas de suas colegas de faculdade tentaram a vaga que ela
conseguiu e não obtiveram sucesso. PJS & Associados era um escritório tido
como referência e o fato de trabalhar ali, um dia, iria lhe abrir muitas
portas.
Você pode fazer isso! Uma
voz falou em sua mente e ela sabia que devia ouvi-la. Olhou novamente para as
fotos sobre a mesa, para a foto de Erick em especial.
— Eu posso fazer isso! — Respirou fundo e encontrou o rosto sorridente
de Carina — Eu consigo!
— Como é bom ver você, querida!
Stefanie começou a se sentir constrangida após o terceiro
abraço que recebera do senhor simpático e rechonchudo à sua frente. Edgar
parecia extremamente surpreso ao vê-la. Ele a reconhecera no instante em que
entrou pela porta, abrindo um largo sorriso e a envolvendo nos braços. Ela
também o reconheceria em qualquer situação, mesmo à quilômetros de distância.
Apesar dos cabelos estarem mais ralos na parte de cima da cabeça e assumindo um
tom acinzentado, quase brancos, ele era uma figura inconfundível para ela,
apesar de todo esse tempo.
Sentiu os olhares de Carina e Roberto se encontrarem em
cumplicidade e corou. Deduziu, naquele momento, que seria o assunto do
refeitório por um bom tempo.
— Fico feliz em vê-lo senhor Edgar! — Sorriu e olhou para o
senhor ao lado, que os encarava, impaciente. Magro e alto, muito sério.
Produtor da carreira de Erick, ao que lhe disseram. Estendeu-lhe a mão — Olá, senhor
Lucas, meu nome é Stefanie, serei a advogada neste caso. Este é Roberto, ele
trabalhará conosco como detetive. Por favor, sentem-se.
Os dois sentaram-se a sua frente, Carina e Roberto ao seu
lado. O tom de voz descontraído de Edgar de alguns segundos atrás
transformou-se drasticamente, assumindo um tom preocupado e cauteloso. Enquanto
ele falava sobre o incidente que, de alguma forma, envolvia o filho, Stefanie
precisou beliscar-se no braço umas duas vezes para certificar-se de que aquilo
estava realmente acontecendo... que tudo aquilo era real!
— ... posso assegurar a vocês que meu filho jamais mataria a
moça!
— Claro, senhor Edgar, não estamos fazendo nenhum tipo de
afirmação, apenas debatendo os fatos. — Roberto adiantou-se e lhe entregou um
documento que, mesmo de relance ela conseguia reconhecer. — Este é apenas um
relatório com as primeiras impressões da polícia, do estado em que a vítima foi
encontrada. Segundo as primeiras impressões dos legistas, estima-se que ela
tenha morrido por volta das 23h30. Laudos mais detalhados chegarão, assim que
fizerem uma investigação mais aprofundada dos sinais e evidências no corpo. Também
estamos no aguardo do resultado do exame toxicológico de sangue de Erick, precisamos
saber se ele estava sob o efeito de algum tipo de entorpecente, ou mesmo sob o
efeito de bebidas alcoólicas.
Edgar separou os lábios na intenção de falar algo, mas a voz
não saiu. Stefanie notou os ombros dele cederem; notou as rugas ao redor dos
olhos e o semblante cansado que se tornava cada vez mais nítido.
— Senhor Edgar, somos os melhores para resolver casos como
este. Pode acreditar, se Erick for inocente, nós iremos provar!
— E mesmo que não o seja, o senhor veio ao lugar certo!
Carina colocou a mão no braço de Edgar e ele sorriu, talvez
sentindo algum tipo de conforto com o toque. Stefanie tremeu com a
possibilidade.
— Então, o que temos até o momento? Vocês precisam resolver
essa situação o mais rápido possível! Erick tem muitos compromissos agendados,
não podemos perder tempo, presos numa mesma cidade.
Lucas falou, levemente exaltado. Todos olharam para
Stefanie.
— Entendo sua aflição, senhor Lucas, e posso lhe assegurar
que faremos o melhor possível para que essa situação não lhes cause mais danos
e prejuízos. — Esforçou-se para manter o tom de voz firme e confiável, na
tentativa de acalmar os ânimos de Lucas, assim como os de Edgar. — Tudo o que
temos são algumas poucas informações cedidas por um contato na polícia, ainda
não sabemos muito mais do que vocês. Uma moça foi encontrada morta nos
bastidores do show que Erick fez. Ainda não sabemos exatamente quem era essa
garota, nem o porquê, exatamente, ele é tido como suspeito de cometer tal crime.
Mas podem ficar tranquilos, certamente ele não é o único suspeito, afinal havia
muita gente no local, não é mesmo?
Lucas se calou, pensativo. Edgar sorriu para ela, porém
mantinha o semblante preocupado. Os fatos começavam a se organizar em sua mente
e ela temeu que aquilo fosse realmente verdade. Que Erick pudesse estar, de
alguma forma, envolvido na morte daquela moça. Seu coração acelerou ao imaginar
que tipo de passado Erick e aquela garota tiveram juntos. Freou os pensamentos
bem ali. Não era de sua conta. Já não se importava mais.
Todos a encaravam na expectativa do que diria a seguir. Ela
não sabia nem mesmo por onde começar!
— O que Erick diz ter acontecido?
— Ele não diz. — Edgar colocou a mão na testa, alinhando
alguns fios de cabelo caídos ali. — Erick não se lembra do que fez após o show.
De fato, é bem provável que ele ainda nem tenha saído do quarto.
— Como assim, não se lembra do que fez? — Respirou fundo,
preparando-se para o que iria ouvir a seguir, na dúvida se realmente desejava
saber tal informação. — Onde ele está agora?
— No hotel Solaris, ele não saiu da cidade.
O olhar de Carina encontrou-se com o dela e Stefanie sentiu
um frio na barriga, pois sabia o que viria a seguir. Sabia o que ela iria
propor. Havia visto casos como aquele na empresa, não conseguiram encontrar
outra forma de resolver a questão. Permaneceu muda, com medo de que seu temor
realmente se concretizasse. Como se, com o seu silêncio, pudesse evitar todo o
transtorno.
— Vou pessoalmente reservar as passagens aéreas para que
Stefanie e Roberto possam se encontrar com o cliente, assim como fazer as
reservas no hotel. Fique tranquilo, senhor Edgar, no que depender da empresa,
seu filho terá a melhor defesa possível.
Stefanie sentiu as pernas fraquejarem e agradeceu por estar
sentada. Sentiu as mãos, cada vez mais suadas e frias, e sabia que qualquer um
que a visse agora teria a certeza de que estava prestes a desmaiar.
— Caso não seja inoportuno, nosso jato sai em algumas horas.
Os dois podem nos acompanhar, poupando essas despesas e o tempo.
— Eu realmente prefiro ir em um voo amanhã, se não for pedir
demais. — Ela se agarrava ao braço da cadeira, apertando-o com força; notou o
olhar desapontado de Edgar. —Tenho que fazer a mala, me organizar... enfim,
consigo resolver tudo até amanhã de manhã, com certeza.
— Por mim, a hora que decidirem. Consigo me preparar em
poucas horas.
Roberto lançou um olhar animado para Stefanie e ela sorriu.
Ou tentou sorrir. A ideia de uma viagem a trabalho na companhia de Roberto
também não a animava muito, visto que o colega se aproveitava de qualquer
oportunidade para passar-lhe uma cantada barata.
— Está decidido, vou adiar nosso retorno e viajamos todos
juntos amanhã! Espero por vocês na pista para partirmos às 07h00. Com sorte
chegaremos na cidade perto do horário do almoço. Minha esposa faz uma costela
assada de lamber os dedos, com isso vocês podem contar!
Edgar se levantou e caminhou em direção à porta, dando o
assunto por encerrado. Os outros fizeram o mesmo. Roberto adiantou-se até a
porta, abrindo-a para o gentil senhor. Lucas o seguiu para fora, assim como os
outros dois. Stefanie continuou ali, plantada em pé no meio da sala sem
conseguir se mover, torcendo para que aquilo fosse apenas um terrível pesadelo
e que em algum momento conseguiria acordar.